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2 de julho de 2009

Os desafios da formação política da militância do Movimento Negro Unificado – MNU

Pelos caminhos da militância

Procuramos evidenciar a necessidade de uma contínua formação política das/os militantes do Movimento Negro Unificado – MNU, considerando a necessidade de ampliação dos quadros da organização, a fim de manter a atuação de forma qualificada, haja vista a proliferação de entidades e organizações não-governamentais que buscam aliar-se ao MNU com o objetivo de afirmarem-se e, ao mesmo tempo, talvez, suplantar a nossa. Entendemos que a formação deve nortear o conhecimento sobre as linhas de ação contidas nos documentos básicos do MNU.

Sou militante do MNU há 25 anos. Entrei para a organização quando a mesma completava seis anos de existência e comemorava os anos de luta no Teatro Sérgio Cardoso, à Rui Barbosa, no bairro da Bela Vista, mais conhecido como Bexiga, levada por um militante que já atuava no movimento desde 1981, Adomair O. Ogunbiyi, que conhecia desde os meus 17 anos, hoje companheiro de vida e luta.

No MNU São Paulo naquela época, estava o Miltão, Milton Barbosa, como era conhecido, um dos fundadores do movimento. Aos poucos nossa militância foi crescendo. Eu era uma pessoa tímida, de pouco falar. Na militância era cobrada pelo Adomair, que também não falava muito em público, que era preciso fazer palestras, falar sobre a história do nosso povo e lá fui eu pesquisar, estudar mais, tentar organizar as idéias para poder atuar. Já havia uma consciência negra, um interesse e então o que queríamos, manter nossas raízes, se acentuou.

Percebi que a consciência, que já possuía na época, veio antes da entrada no MNU, pois frequentamos os bailes organizados por equipes compostas por negros na época do movimento black soul. O que queríamos mesmo era estar entre os nossos irmãos e nossas irmãs. Depois, na faculdade que começamos a cursar em 1978, discussões sobre a ausência da questão racial nos cursos foram importantes para que criássemos um grupo de negros e, como ocorereu em outros espaços acadêmicos, nosso grupo com os poucos negros/as que conseguiram adentrar esse meio inseria na Semana Cultural a temática etnicorracial. Foi no ano de 1980, quando conseguimos organizar um debate na faculdade, que conheci o Prof. Kabengele Munanga. Nosso saudoso militante Hamilton Cardoso também estava presente, além da jurista Eunice de Jesus.

Esses passos dados foram importantes pois acompanhei de perto a fundação do movimento negro e poderia estar lá no ato, propriamente dito, mas como priorizava o estudo, não fui ao Teatro Municipal de São Paulo. Sabemos que o movimento negro como proposta política, surge ou ressurge naquele ato do dia 7 de Julho de 1978, hoje conhecido como Dia Nacional de Luta Contra o Racismo, organizado por ativistas históricos, muitos deles ou delas presentes na luta nossa hoje. A criação do MNU como espaço de debates sobre o racismo, a discriminação e o preconceito raciais, trouxe de volta o protesto negro, lembrando Carlos Assumpção que escreveu um poema com este título, que esteve também na atividade de seis anos do MNU.

Enfim, esse retorno à cena pública, com uma posição de esquerda revolucionária e ideologicamente assumida de radicalismo racial, que contesta a ordem racial de origem escravocrata mantida pela burguesia e que fazia da democracia racial um mito como no movimento pelos direitos civis dos negros americanos, incluía o nacionalismo negro e a luta pela libertação dos povos africanos.

Muitas obras acompanham o surgimento do MNU. Uma delas, O Genocídio do negro brasileiro, de Abdias do Nascimento, um dos fundadores do MNU, é uma das obras que passa a ser lida por militantes. Também Frantz Fanon, com Pele negra, máscaras brancas é leitura obrigatória. O Movimento Negro Unificado – MNU sempre procurou editar um jornal de circulação nacional, a exemplo do Jornal Nêgo, editado pelo MNU da Bahia, na década de 80, seguido de outras iniciativas da militância.

Nos anos 90 Lélia Gonzalez, em entrevista para o Jornal do MNU dizia:

            […] no que diz respeito às questões político-ideológicas, a coisa é séria, a meu ver. O que a gente percebe é que o MNU cutucou a comunidade negra no sentido de ela dizer também qual é a dela, podendo até nem concordar com o MNU. (MNU Jornal, n° 19, maio/junho/julho, 1991, p. 8-9.)

Uma das bandeiras de luta da nossa organização tem sido a valorizar o negro e a negra e chamar a atenção para a contribuição do povo negro na construção do país. A sugestão de introdução de estudos africanos a partir da inserção da história da África no currículo escolar é defendida na Carta de Princípios do MNU, já em 1978, bem como no Programa de Ação.

Na Constituição de 1988, a inclusão na Carta Magna de reivindicações históricas do movimento negro se dão na área educacional e no que se refere às relações etnicorraciais, merece especial atenção o artigo 242, § 1º: O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996) é alterada em seus artigos 26 e 79 pelas Leis 10.639 e 11.645, que são assinadas apenas neste século, apesar de representarem um avanço para a educação das relações etnicorraciais e o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana.

Vale destacar que a preocupação do MNU com a educação, com o currículo escolar e com a formação de educadores/as já apontava para a questão das relações etnicorraciais no cotidiano da sala de aula, assim como para situações preconceituosas e discriminatórias ocorridas no espaço escolar.

Desde a III Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, na África do Sul, em 2001, houve uma mobilização das organizações do movimento negro, que destacaram, entre outras ações de combate ao racismo em nossa sociedade, a necessidade de olhar a educação como prioridade, chamando atenção para as diretrizes curriculares aprovadas em março de 2004, ocasião em que a Profª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, relatora e conselheira representante da temática etnicorracial no Conselho Nacional de Educação apresentou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, aprovadas por unanimidade pelos/as conselheiros/as.

A Lei e as Diretrizes precisam acompanhar as ações necessárias para promoção da igualdade etnicorracial no país, no espaço escolar, consistindo-se em um passo importante, em face da necessidade que temos de mudar o imaginário sobre a África, o que incide em mudanças no imaginário social sobre a população negra no Brasil. O material didático ainda não nos visibiliza como deveria. O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Nacionais para Educação das Relações Etnicorracais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana (2009) tem como base estruturante seis eixos, a saber: 1. Fortalecimento do marco legal; 2. Política de formação para gestores/as e profissionais de educação; 3. Política de material didático e paradidático; 4. Gestão democrática e mecanismos de participação social; 5. Avaliação e Monitoramento e 6. Condições institucionais. O Plano indica que é preciso manter permanente diálogo com instituições de ensino, gestores/as educacionais, movimento negro e sociedade civil organizada para a implementação das Leis 10639 e 11645.

Os desafios da formação política da militância

Enfrentamos desafios na militância e temos de refletir sobre a formulação do Projeto Político do Movimento Negro para o Brasil que aparece como tema do X Congresso Nacional do Movimento Negro Unificado; MNU, realizado no mês de abril do ano de 1993, na cidade de Goiânia; Goiás, o que fez com que as teses formuladas pelas/os delegadas/os pudessem contribuir para se pensar em propostas políticas que deveriam compor o projeto político do Povo Negro e quais as políticas prioritárias para serem colocadas em prática na luta para que os objetivos do projeto político fossem alcançados. A formulação, hoje apropriada pelo conjunto do movimento negro, norteará os avanços já anteriormente propostos pelo MNU.

A militante fundadora do MNU, Lélia Gonzalez (1991), afirmava:

            […] A questão da militância tem que ter esse sentido e aí nós temos que aprender com os nossos antigos, os africanos, esse sentido da sabedoria, esse sentido de saber a hora em que você vai interferir e como você vai interferir, fora desse lance individualista.

Entendemos que para se ter uma sólida formação da militância no MNU é preciso conhecer o que é, como surgiu e quais são os objetivos do MNU; como se organiza o MNU; quais as contribuições do MNU à luta do povo negro no Brasil e no mundo; como se dá a atuação do MNU nos estados; onde encontrar o MNU no país. Isso implica saber como o racismo é perverso e como combatê-lo.

Todas/as as/os filiadas/os devem assumir os documentos básicos da nossa organização, ou seja: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, comprometendo-se a cumprir orientação advinda de decisão coletiva. Consideramos importante, ainda, tratar de temas como: Educação, Trabalho, Território, Saúde, Cultura, Juventude, Gênero, Religiosidade, Solidariedade Internacional, entre outros temas. Pensamos que é por aí que a formação política da militância deve seguir, sem esquecer de que temos muita produção dentro do MNU, materiais que refletem o que precisamos na organização, com autoria da militância que atua nas várias regiões do país, que poderá subsidiar a formação militante que a atuação no MNU requer.

Ilma Fátima de Jesus1

REFERÊNCIAS

FANON, Frantz. Pele Negra, máscaras brancas. São Paulo: Fator, 1983.

GOMES, Nilma Lino e Munanga, Kabengele (orgs.). Para entender o negro no Brasil de hoje. São Paulo: Ed. Global, 2005

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A recepção de Fanon no Brasil e a identidade negra. Novos Estudos – CEBRAP nº.81 São Paulo Julho 2008.

JESUS, Ilma Fátima de. O pensamento do MNU. In: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves & BARBOSA, Lúcia Maria de Assunção (Orgs.) O Pensamento Negro em Educação no Brasil: Expressões do Movimento Negro. São Carlos: Ed. da UFSCar, 1997

____ Educação, gênero e etnia em território negro. In: LIMA, Ivan Costa, SILVEIRA, Sônia Maria (Orgs.) Negros, Territórios e Educação. Nº 7. Florianópolis: Núcleo de Estudos Negros/NEN, 2000. (Série Pensamento Negro em Educação)

LOPES, Véra Neusa. Racismo, Preconceito e Discriminação. Procedimentos didático-pedagógicos e a conquista de novos comportamentos. IN: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC – SECAD, 2005

Movimento Negro Unificado – VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste. O Negro e a Educação. Recife: MNU/Cia. Ed. Pernambuco, 1988

_____. Programa de Ação – Estatuto. Salvador: MNU,1990

_____. Jornal do MNU – n° 19, maio/junho/julho, 1991, p. 8-9.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. Processo de racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

_____. Reflexões sobre o Movimento Negro no Brasil, 1938-97. Brasília: Thoth, N.º. set /dez. 1997

OGUNBIYI, Adomair O . Racismo, Discriminação e Preconceito raciais: definir é preciso. VI Congresso Afro-Brasileiro – Fundação Joaquim Nabuco 17 a 20.04.1994 – Recife – PE.

_____. O que é movimento negro? São Bernardo do Campo, SP: Cadernos Papo Sério – Movimento Negro Unificado – MNU, 1996.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Aprendizagem e ensino das Africanidades Brasileiras. IN: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC – Secretaria de Educação Fundamental, 2005


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